domingo, 1 de setembro de 2013

Filme: O Feitiço do Tempo (1993)

São inúmeras as virtudes de O Feitiço do Tempo (Groundhog Day na versão original), uma comédia imensamente despretensiosa que se revela preciosa e intemporal nos pequenos detalhes. À primeira vista, O Feitiço do Tempo poderá passar despercebido e ser tomado por algo genérico construído à volta de um elemento de fantasia curioso. Mas, se lhe for dado a devida atenção, levanta-se sobre O Feitiço do Tempo um véu de tendências corriqueiras reveladoras de uma realidade moralizante, cuidada e sapiencial.

Em O Feitiço do Tempo, Phil Connors (Bill Muray) é um egocêntrico meteorologista de um pequeno canal televisivo de Pittsburgh. Phil encara com desdém a cobertura jornalística de um eventual anual na cidade de Punxsutawney, na Pensilvânia, onde a tradição ordena que uma marmota preveja o fim do Inverno. Relutante, Phil desloca-se para Punxsutawney com a sua nova produtora, Rita (Andie MacDowell), e com o seu habitual cameraman, Larry (Chris Elliott). Feita a reportagem, Phil procura regressar rapidamente a casa. Todavia, uma tempestade de neve retém-no e à sua equipa em Punxsutawney. O que Phil não conta, no entanto, é repetir o mesmíssimo dia incontáveis vezes.       

O Feitiço do Tempo, não obstante a rotação cómica e romântica, desdobra perante o espectador um espelho tentativamente introspectivo. Será que cada um de nós procura ser o melhor de si nas vastas acções e decisões do dia-a-dia, ou será que, como Phil, cedemos à impaciência rotinizada? Será esta, de maneira aproximada, a questão que o realizador Harold Ramis, em colaboração com o argumentista Danny Rubin, pretende colocar à sua audiência com toda a justa pertinência. A jornada de Phil ao longo das incontáveis repetições diárias (constam ter sido na ordem dos 10.000 anos) é um extraordinário turbilhão psicológico de euforias e depressões, paixões e desilusões, que representam vicissitudes do dia-a-dia tão próximas do espectador, intrinsecamente familiares às suas próprias vivências. Phil vive num único dia, embora as quase ilimitadas repetições, o que cada um de nós sente de forma empírica pela sua vida inteira. O feitiço, por assim dizer, é o mesmo; depende de cada qual empregá-lo pelo mais certo.

Inicialmente, perante a possibilidade de omnipotência e impunidade, Phil deixa-se levar pelo entusiasmo e pela actuação a bel-prazer, representando o auge do homem que já se mostrava ser. Até que ponto pode alguém permanecer leviano e indiferente? Com o tempo, Phil compreende que o vazio dentro de si não pode ser unicamente preenchido pelo prazer momentâneo e, a certa altura, com o aproximar de Rita, imperceptível por ela, Phil sente necessidade por algo mais, algo que o tempo, entenda-se, o mesmo dia, não lhe permite ter. Nessa fase, Phil desce à depressão e à completa frustração e contempla o fim da vida; mas o mesmo feitiço que antes tão bem o libertara das suas responsabilidades prende-o agora ao seu infortúnio. Eventualmente, no vazio de soluções, para moralização do espectador, Phil resolve dedicar todo o seu infindável tempo numa metamorfose social para um homem útil, humilde e honesto.


A execução de Harold Ramis por detrás da câmara é pragmática e regular, onde impera a característica feel-good dos anos 90. As actuações são identicamente ordinárias, sem destaques significativos. Aliás, exceptuando uma inteligente montagem que ajuda a avançar e a dar sentido à narrativa, toda a observância de O Feitiço do Tempo é a de um filme trivial. Desengane-se quem assim considera. O Feitiço do Tempo, aos vinte anos, é um clássico imperdível que engloba muito mais, e mais profundo, do que se lhe possa outorgar.               


CLASSIFICAÇÃO: IMPERDÍVEL


Trailer:

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